Entendimento do texto original
Todo mundo sabe que dominar a terminologia da área na qual se trabalha é importante. Porém não podemos esquecer de algo fundamental: entender o texto de origem; compreender o que a frase, o trecho ou o parágrafo a ser traduzido quer dizer.
Antes de buscar usar as palavras equivalentes no idioma de chegada, é importante primeiro conseguir interpretar o que o texto está dizendo e, a partir daí, construir a tradução, fazendo uso das palavras e dos termos mais adequados para essa interpretação. Lembram do que já discuti aqui sobre a função do texto original? Quando entendemos a função do texto original, fica mais fácil interpretar os detalhes e traduzir a ideia, não apenas cada palavra.
Mas sem entrar na teoria funcionalista, gostaria de destacar a importância de entendermos a essência de, por exemplo, uma frase. Se o texto original fala “Guests will enjoy a complimentary drink in the lobby at check in”, talvez mais do que achar o termo certo para “lobby” (saguão, lobby, etc.), é entender que, ao chegarem no hotel, os hóspedes são recebidos com uma bebida. A ênfase aqui não é no lugar onde o drink é oferecido – de certa forma, pouco importa se é no lobby, no balcão da recepção ou no balcão do concierge. O que deve chamar atenção é o benefício oferecido ao hóspede. Assim, “in the lobby at check in” pode até virar um simples “na chegada” na tradução, se o texto permitir. De nada adiantaria traduzir “lobby” corretamente nessa frase de acordo com o mercado e a preferência do cliente, e então errar no “complimentary drink”, traduzindo como “bebida complementar” ou outra tradução das que vemos por aí. Entendem o que quero dizer?
Ontem em um grupo no Facebook, uma colega perguntou sobre a tradução de “leitos” para o inglês, dentro da área de hotelaria. Acertadamente, colegas apontaram que nos EUA usa-se mais “quarto” (room) como métrica do que “leito” (bed), e outros colegas, alguns não especializados em hotelaria, ainda intervieram para explicar como uma reserva em um hotel no país americano se dava por quarto de acordo com os tipos de cama, ou como a contagem nesse país é por quartos por noite, não por leitos. Tomando por base a ideia da frase original, que dizia algo como “A pesquisa aponta um déficit nos leitos oferecidos em relação à demanda”, o destaque aqui não são os leitos e se deveriam ser quartos ou não na tradução. A ideia é que, em certa região, há mais hóspedes do que lugares para eles dormirem e, portanto, há oferta hoteleira insuficiente para o tanto de procura. Vejam que, nesse caso, de nada adiantaria buscar o termo equivalente perfeito sem entender o que a frase quer dizer (e isso podendo provavelmente impactar no resto da tradução). Ou seja, mesmo se nos EUA o uso estatístico for baseado em “quartos”, ao interpretarmos essa frase entendemos que a questão não é usar o termo mais comum no país de chegada; importa destacar a ideia de que há menos oferta no setor para tal demanda.
Espero que este post nos ajude a lembrar que não somente traduzimos palavras, mas entendemos o contexto e interpretamos o texto, sua função e sua ideia central.
Obs: sei que, em alguns textos e contextos, e, em algumas áreas, usar o termo equivalente direto é fundamental e nem todas as especialidades permitem essa liberdade na hora de traduzir.